segunda-feira, 21 de junho de 2021

brecht

 

(Bertold Brecht collage by Papa Osmubal)

(elegia)


A alma do menino quando nasceu

prendeu-se na placenta e no cordão e ele a perdeu;

Curiosamente, o menino nasceu vivo, não perecendo,

e chorou longamente pela alma que nunca viria a ter

A mãe achou de bom grado tamanha vitalidade

e confundiu a dor do menino em vir

Para dentro do mundo desprovido para,

sorridente, ninar o filho até este dormir.

E ao acordar com o seio da mãe à face

o menino, ávido, pôs-se a este agarrar e morder

Na esperança de sugar nele a sua alma,

mas só colostro o seio parecia ter

E chorando foi este menino e sua mãe o cobria

de atenções, dando-lhe o seio, alimento,

Sono, brinquedos, tudo que ele pudesse possuir

mas do menino veio o homem

Sedento da sede do menino de outrora,

buscando em torno do mundo a alma

Roubada pela vida irrompida em seu dentro

naquela hora

E cansava-se das caminhadas que fazia,

esvaía-se em buscas incessantes e vazias,

Pois tencionava e esperava e seu verbo era a palavra,

e seu esperar era o vazar da fala que não se dizia.

E, calada e esvaziada, a palavra se ia

do homem, e a vida se consumia no seu

Buscar, dia após dia, da alma

tanto que lhe faltava a própria falta que esta lhe fazia

E, a cada palavra acabada no tempo da vida

vazada do homem, o homem vislumbrava sua vigília

E cerrava os olhos, recostava o rosto, adormecia

como se no seio do mundo que o devorava

Pouco a pouco ele encontrasse o repouso de sua procura

Até que dele saiu a última palavra, e o homem foi mudo,

para ter finalmente de volta a alma perdida pois,

Retornado ao silêncio de sua origem, o homem atracou-se

com firmeza à alma de todo o homem

Pois a alma de todo o homem só há

onde a vida do homem não haveria

E o mundo lavou-lhe o rosto com as águas das chuvas, das borrascas e das tempestades

E a vida levou as ausências em suas bagagens

E o homem, atingido por sua alma,

teve o silêncio como morada.



(dedicado a maria alice vergueiro).





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