domingo, 25 de setembro de 2022

Se o tempo chovesse

 

(Suzanna Schlemm)




Se o tempo chovesse,

            possivelmente

O tempo choveria longo,

            choveria sempre.

Se a chuva fosse o tempo

            (onde o tempo não é possível)

As primaveras seriam

            Ampulhetas em flor.



FIM

sexta-feira, 16 de setembro de 2022

A amada em abandono

 

(George Hendrik Breitner)



Abandonada e só sobre a cama, outra lascívia

Abate-se sobre seu corpo, agora em tormento;

Em outro leito, o homem em abandono no momento

À brisa mansa entrega a memória passiva



E não pensa no abandono que legou num momento

Da noite perpetuada em dor em outro leito agora abatida;

Em outro leito, a mulher em abandono é consumida

E pela cama vaga como o mar por uma onda, e seu tormento



Abate-se em abandono no homem de músculos rijos

Onde o lençol em ondas afaga em brisa seu ventre e o corso

Onde aquela amada ardeu seu ventre em tons lascivos



E sua voz só faz acalmar à distância o amado torso,

Soprando o vento às naus distantes em águas esquivas,

O pranto da amada, seu ventre o mar e o cais seu dorso.





(manuscrito, s/d)

segunda-feira, 12 de setembro de 2022

Transitoriedade IV

 

 (Amedeo Modigliani - autorretrato)



Quando eu existia, o mundo era mais simples,

Confinava-se a perguntas e respostas.

Jovem, muito tempo pensei

Em perguntas que me eram feitas

E em suas respostas;

Pensei também nas perguntas que poderia fazer

E em que resposta obteria

Para elas.

Isso tudo foi há muito tempo

(E eu pensei que até havia me esquecido).

O tempo é uma farsa;

As perguntas não existem,

Tampouco eu.



(manuscrito/07/02...)

sábado, 10 de setembro de 2022

Eppur si muove:

 

(Giovanni Giacometti)



Ah! Velhas paragens cansadas pela solidão

Bois magros a consolar sua desesperança

Clama como as águas de teus riachos secos

Resplandecendo velhas memórias.

A velha charrete ainda no mesmo lugar

Onde tantas glórias viveu; agora, esquecida

Recita mágoas às cocheiras pacientes,

Contando ciúmes do moderno quadrúpede

Nem mesmo o Sol mudou, cara risonha,

Avermelhado sorriso do amanhecer;

Tudo é ironia e desilusão no abandono

Que cerca esse lugar alegre que já foi feliz.

Os cabelos brancos, signo expresso, cavalgam

Ao vento esvoaçantes, soltando raios luminosos

Viajando sem rumo, o canto ecoa ao longe

Vozes apagadas do passado gritam velhos absurdos

Inaudíveis e irreconhecíveis aos de hoje.

O Homem vai à Lua, projeta viagens espaciais

Enquanto o cachorro sarnento rói seu osso, indiferente.

A mulher sem dentes lava a roupa suja

E as crianças pululam por todos os cantos

Irriquetamente - é a vida.



(manuscrito; 09/04/83)

quarta-feira, 7 de setembro de 2022

Repente

 

(Marc Chagall) 


 Da impureza do destino,

           o mundo rateia

um menino;

 

(O sapo coaxa na lagoa,

             se imerge em

uma vitória-régia

               em carne viva)

 

De flor no chapéu

                 e pescoço na lapela,

no brejo se ergue

(o contornam os pés de juta

                   e canela)

 

O vapor o dissolve num beijo,

                    e o mumifica

Em resíduos de sal-de-fruta

                            amargo.

 

 

 

(manuscrito a lápis)

Se o tempo chovesse

  (Suzanna Schlemm) Se o tempo chovesse,             possivelmente O tempo choveria longo,             choveria sempre. Se a chuva fosse o t...