quarta-feira, 16 de junho de 2021

maresia

 

(Francisco Brennand - parque das esculturas)


aos jesuítas


eu me iludi por muitos tempos julgando-te mais próximo de mim

nos movimentos, no vento, no caminhar, nos passos dados, nas marés

acotovelando-se,

eu iludi-me achando que a cada onda o mar iria ser mais próximo de mim.

até que me tragasse e me fizesse onda, sereia,

ou espuma roçando a areia.

eu até fecundei a orla com um bastão. dediquei-lhe, senhor, palavras

afogadas nas salinas do mar dessas águas, senhor,

serei eu indigno?

senhor, este teu servo deitou-se durante dias e noites à beira de teu ventre

e estas águas tão-somente mantiveram-se distantes, circunspectas,

impassíveis ao meu silêncio (não respondido), às minhas súplicas (desesperadas)

eu ignoro,

eu ignoro, senhor, porque não me recebes em tuas águas, porque não me comunga os pulmões,

ignoro o porquê deste mar vasto sobre quem caminhei com pernas de raízes decepadas

ignora-me,

logo a mim, senhor, a mim querendo estar dentro de ti em sua divindade,

compartilhar de sua luz. eu, aos pés de teus pés à espreita, estirado,

em silêncio, em oração,

em espera.

espero as águas ascendentes das marés, espero os teus braços molhando

minha túnica, conduzindo-me ao teu interior. sim, o teu dentro.

pois onde mais podes estar, senhor,

senão nestas vagas, serenas águas do mar?

senhor, não te afastes assim. não me exijas a temperança,

a exaustão, a contemplação; duas ou três vezes vi seus olhos distantes

e não pude ler nos olhos mortos deste homem afogado, senhor, que eram teus olhos,

mortos, olhos além dos homens, olhos daquele que hoje habita o seu lado.

senhor, eu me deitarei aqui agora, e permanecerei para todo o meu sempre

que eu sei pouco perante a eternidade a quem pertences, mas serei como ti,

o homem de olhos umedecidos por suas águas, o homem transfigurado como tu

o homem que vestiste em um manto de algas, o homem, ah, senhor, isso,

me abraça, a tua túnica é fria, a tua morada é longínqua, eu o

vejo melhor agora, ele tem os olhos marejados. isso senhor,

cega meus olhos para tudo o que não for teu, me leva à

luz              do teu        amor



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