segunda-feira, 16 de agosto de 2021

INTERFERUS INTERROGATORIUM

 

(Marianne von Werefkin - 1860–1938)




E não é que lá estava eu, sentado num banquinho de madeira

(Como se isso fosse a coisa mais importante do mundo)

Quando me descobri, descobri-me sentado num banquinho

De madeira;



Foi estranho;



Eu, me achando a coisa mais importante do mundo,

E descubro a coisa mais importante do mundo

Sentada num banquinho, fazendo nada (e em se tratando dessas coisa

A mais importante

Deve ter uma significação profunda e complexa o fato dela estar fazendo

Nada);



Comuniquei o ocorrido à minha mulher (como se isso fosse possível)

Mas ela riu de mim

E pediu-me que não a aborrecesse mais

Pois que tinha mais o que fazer (certas pessoas têm a mágica capacidade

De sempre terem mais o que fazer);

Ergui a voz a meus filhos e netos e a seus brinquedos de plástico

E carmesim purpúreo,

Mas eles não me ouviram.



Fiquei mais algum tempo sozinho com minha perplexidade.



Não, não me conformei: abri a porta da casa e saí às ruas

Tinha que avisar a todos de minha descoberta bizarra (quem diria!

A coisa mais importante do mundo – e, obviamente, aquela pela qual

O mundo rodava e as nuvens andavam, pela qual os orixás faziam previsões

E os soldados marchavam – ei-la inerte, passiva, com olheiras profundas,

Uma barriga flácida, a barba por fazer!); todos, todos, deveriam saber

Disto;

Eu gritei para todos os que passavam, rindo, assustando, e, quando isto

Não bastou, eu fui aos jornais matutinos e vespertinos, às revistas semanais

E às mensais; e, quando estes não me ouviram, eu acudi à sabedoria das

Emissoras de televisão dizendo-me um grande sábio, um conhecedor de

Oráculos; escrevi faixas, imprimi panfletos, realizei comícios,

Mas nada, nada adiantou,

Ninguém me ouviu;



Desacreditado, descrente, atravessei a soleira e fechei a porta que abrira

Com tanta força;

A mulher num canto, filhos de olhos esbugalhados espreitando do corredor,

Sentei-me no banco de madeira e, deste (aparentemente) simples banquinho,

Contento-me em contemplar a coisa mais importante do mundo

Sentada num banquinho de madeira

Fazendo nada.


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