domingo, 3 de outubro de 2021

Há um cheiro que se esconde

 

(Eric Lacombe - dark abstract portraits)

 

Há um cheiro que se esconde dentro de mim, amargo,

De mim emana-se;

 

Há muitas e mutas cousas escondidas neste odor.

 

No odor que escapa de mim como uma líbelula afoga-se no pântano,

Coaxam sapos sobre minha folhas;

Pode parecer tolo evocar tais imagens,

Mas de que se faz a poesia senão de uma série

De tais bobagens?

 

De tantas e tantas cousas outras, outras coisas

E enumerá-las pode ser uma tarefa

Arriscada.

 

No odor que de mim se exala esconde-se um fruto podre,

Fruto de podridão divina – a centelha da eternidade que em mim se acende

E que em mim se apaguem todos os pontos luminosos, circunscrevendo

Meu pensamento simplesmente a uma meia dúzia de pares de meias sujos,

O copo de leite esvaziado sobre a cabeceira, lençóis amarfanhando-se

Num colchão preguiçoso.

Um amanhecer onde os corpos recusam-se a deslizar

Para dentro do mundo,

Para fora de si mesmos e de seu mundo compenetradamente

Único, particular.

 

No odor libélula que de mim foge, batendo as asas com vigor,

Nesse odor fujão, coaxar matinal, tão amargamente cotidiano e vulgar,

Esconde-se um outro odor, esse sim,

Imperceptível.


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