segunda-feira, 20 de dezembro de 2021

OS APOSENTOS

 

(Remedios Varo)


O QUARTO DE DORMIR

 

- Quanta coisa, né?

- É, é.

Pausa.

- É.

Mas por que ele tinha que falar das tantas coisas que se acumulavam? Talvez sem importância para nós – dois intrusos – mas, se aqueles novelos de lã pudessem dizer-nos algo, protestariam, veementes.

- Não nos toquem, intrusos.

- Vão embora.

- Deixem-nos em paz.

Pausa.

- Se a Velha Senhora visse o que vocês estão fazendo...

Nada de condenável. Mera curiosidade. Tanto ouviram falar daqula grande e interminável tapeçaria que quiseram vê-la com seus próprios olhos. Tocá-la, enroscarem-se nela. Fazer dela um objeto com uma existência, fios trançados, temente de Deus e de traças.

- Está vendo alguma coisa?

- Não.

- Nem eu.

Pausa.

- Talvez fosse melhor a gente ir embora.

 

O HALL DE ENTRADA

 

- Fiquei cansado de tanto andar.

- Eu também.

Pausa.

- Eu também.

A casa vazia, encolhida como um balão murcho e caído. Umas réstias de luz, um castiçal, cacos de copos trincados perto de nossos pés.

- Você acha que ela vai notar algo?

- Que nada.

- Tolice?

Pausa.

- Bobagem.

As réstias de vidro, nosos pés trincados.

 

O JARDIM DE INVERNO

 

- Talvez ela note algo.

- Talvez.

 

 

Pausa.

 

 

(Talvez).



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