sábado, 19 de junho de 2021

E os silêncios sobrepuseram-se uns aos outros

 

(Abraham Bloemaert - 1566-1651 - a man with a dog in a landscape)


E os silêncios sobrepuseram-se uns aos outros, o do homem à pedra,

O da pedra ao cão, o de nossos três personagens

Ao leitor.



Eles sentiam-se um pouco sufocados pelo enorme volume das palavras que não eram ditas;

Havia, porém, nesse procedimento uma força insuspeita. Sim, eles perceberam que poderiam

Simplesmente calar-se, e que o narrador – um espectador pobre de tantos diferentes eventos –

Acabaria por fartar-se em descrever um homem, uma pedra e um cão entreolhando-se

Numa absoluta ausência de sons, que se aproximava bastante

De uma reverência profunda e mútua.

Sim, surgiu entre eles algo semelhante a um elo, uma aliança, uma simbiose.

Eram três entes: um homem, uma pedra e um cão.



Mas tal silêncio emanava das entranhas desta pedra mesma – entre o silêncio e a pedra

Havia somente a distância de uma metáfora.

Súbito, a pedra pareceu uma rocha imensa ao homem; este viu-se invadido por um sentimento

Ambíguo, de desejo de possuir tamanha grandeza dentro de si e, ao mesmo tempo, teve medo,

Medo de tornar-se tão vasto a ponto de perder-se, uma planície imensa ao horizonte,

Tão vasta quanto inespecífica, aberta sobre os abismos de suas fronteiras

E queda nelas.

O homem olhou a pedra, ainda observado pelo cão;

Olhou a pedra com o olhar mais profundo que um homem já dirigiu a uma pedra.

E afastou-se.



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