sábado, 28 de agosto de 2021

Sol poente

 

(Andrea Kowch, 1986)


(a Gilberto Mendes)

 

perdão.
mas que tolice, vindo ao mundo,
entrar com um pedido de ressarcimento de despesas.


dois dólares, a casaca.
os fios crescem do solo rentes às telhas,
sim, senhor, aí, por favor, não me recrimine,
a tolice não é minha, apesar de todos os cuidados,
as meninas desabrocham pelas ruas às cinco,
o mundo perpetua-se por sobre todos nós,
à nossa revelia.





e essas longínquas regiões? alguém pensa nos homens dos desertos,
e esse homem há em alguma parte? não há o pigmeu senão
em suas imagens, não há a fome senão na piedade, não há
o estranho fora dos olhares espargidos, não há a natureza
além do Greenpeace, e que nos importa o quanto nos espojamos
nessa ausência do que é cúmplice? nada nos importa mais,
hoje e sempre, onde o mundo trespassa-nos, para além
de toda revelia.




perdão, o sol poente tampouco há de se importar, mesmo
que eu fosse a voz de Billie Holliday, quem sabe uma
tempestade venha? o raio é a lembrança mais próxima
daquelas mortes nas fogueiras, mesmo sem o tempo,
eu sei das horas. as meninas se espalham sobre o asfalto, amor,
os fios crescem, os homens dos desertos, o vento noroeste,
o mundo que nos esfola.



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