meu navio tem dez mil velas, todas inúteis,
pois ele é do tamanho do mundo, de nada me serve;
seus cascos são de metal frio ao toque,
o dorso brilhante de toda alvorada.
montanhas não lhe faltam; é um navio singular
de colinas flutuantes que ameaçam soçobrar
por vezes. habitavam-no antes de mim aborígenes
e alguns animais de pequeno porte.
meu navio, eu lancei-o ao mar, e disseram os peixes:
não pode haver navio assim tão extenso, e eu repliquei:
sejamos justos, este navio abarca toda a extensão das coisas
visíveis (dez mil velas!), sejam razoáveis, rendam-se à evidência.
e disseram os peixes, nada mais justo, mestre e senhor,
se foi na eternidade que tal navio foi concebido nele devemos
existir (se o mundo nele cabe) para um dia sermos emanados,
e os peixes foram.
e foi o navio até as encostas mais distantes (que dele eram
próximas três dedos), e disseram os animais da terra:
mas que tamanha extensão é esta que nos abarca e lança-nos
a sombra do extenso?, e disse eu, amigos, vejam, esta é a
sombra maior, e eu lanço para tornar conhecido quão extenso
pode ser o manto da escuridão. não lhes direi que possuo o
sol, mas toda sombra é minha de direito e fato, já que é minha
toda a sombra do mundo, e disseram os animais, senhor, abrigai-nos
para além desta manta negra,
e os animais foram.
e disse noé, senhor, tua tarefa está cumprida, mas antes ela não o estivesse,
pois passei a eternidade, à tua semelhança, construindo a nau de deus, e hoje
sei como os peixes que não pode haver teu navio de dez mil velas
(como os peixes, rendi-me à evidência),
sei como os animais da terra quão extensa é a tua escuridão, senhor, eu te renego
e só te peço, faças-me navegante errante de dez mil velas, dez mil vezes, para além
de todo o teu.
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