sábado, 12 de fevereiro de 2022

No dia, de manhã bem cedinho, ele chegou, com seu peito arfante

(Marianne von Werefkin -1860–1938)





No dia, de manhã bem cedinho, ele chegou, com seu peito arfante

E um pequeno silêncio de cão;

Recostou-se em meu colo, abraçou minhas almofadas

E recitou alguns versos que eu julgava

Desconhecer;

De súbito, lançou as almofadas contra as paredes da casa,

Olhou-me com piedade,

E partiu antes que eu pudesse acenar-lhe um lenço.





À tarde ele retornou, e daí eu o reconheci

E tentei impedir que ele passasse por minhas portas,

Mas não pude;

Mais uma vez, ele pousou suas asas em meu leito

E se disse cansado de seus voos;

Cantou-me uma ou duas canções de ninar suavemente,

No que adormeci;

Então, vendo-me tão desprotegido, de olhos cerrados

E em sono profundo,

Abriu as venzianas e voou alto, atravessando nuvem branca

E úmida

E roubando as palavras que outrora eu tinha nos lábios.





Cai a noite; fecho portas, janelas e frestas pelas quais

Ele poderia se inserir;

Tolo que sou! Descubro-o dentro de um cinzeiro, entre cinzas de sonhos

Que ele mesmo queimou.

Tolo que sou! Aninho-me entre suas asas quentes, respiro seu ar frio,

Fingindo creem seu seus versejos e cantigas

Enquanto não se vai.






(Tolo que sou,

Desta vez, canto com ele sua canção de adeus

Enquanto sumo como um ponto no horizonte.)



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