terça-feira, 2 de agosto de 2022

Pulsar

 

(Stanley Spencer - crucifixion)


Me sinto tolo como um menino

Atrás do seu pirulito

Perdido no parque,

Choro um choro baixinho e triste

Na balança, sem consolo.

Onde estás?

Será que eu o engoli

Numa antropofagia pirulítica?

Ou o perdi

Entre as dunas do escorregador?



Desisto da procura

E saio da metáfora.



Sou bomba ambulante

Prestes a explodir

Num puta delírio.

Sou um pesadelo dos homens,

O mais terrível deles;

Sou a imagem dos teus reflexos

Mais profundos e indesejados,

Sou a tua alucinação mais ausente,

E, delas, a mais constante

Nos teus lençóis;

Embebo-me em cada gota das tuas secreções

E, tal qual tumor maligno,

Me embrenho nos teus órgãos mais profundos.

Me cagas, me mijas, sou teu tormento

Diário à beira do vaso

Sanitário.



Bailo tua música

Como o cisne

Que aguarda o fim do dia

Num pas-de-deux

Fatídico e pulsante

Ao pôr do sol

No insípido horizonte

Dos teus sentimentos.



Sou pegajoso, gosmento

Escorro por teus olhos pela manhã

Saio do teu nariz nas gripes

Sou o pus da tua gonorreia

Podre parte pentecostaliana

Das tuas orações sórdidas

E caminho no fio

De tuas brumas

Cuspindo e arrotando

Esgotos e predicados

Que, por mais alternados e grandes,

Nunca penetram na tua couraça

De caramujo tolo,

Que num pisão,

Esfacelo e esmago.



Para depois lambê-lo,

Num misto de horror e ternura

E continuar meu rumo,

Não sem antes dar-lhe meu último afago

Por entre escarros a fio.



(1989)

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