segunda-feira, 21 de fevereiro de 2022

prelado

 

  
(Ada Breedveld)



minha alma tem catedrais de longas naves esparramando-se

para além do milharal de corvos negros e espantalhos de palha.

observo o horizonte e vejo a água do mar.

olho para cima e vejo o infinito pensar.

ajoelho sobre a terra e a acaricio, pois ela sou eu

ou o que serei um dia. minha é uma catedral de longo curso

onde padre navegante iças as velas e grita: homem ao mar!



minha alma menina urina na coma pela noite com medo do bicho papão

que o escuro do quarto esconde ao lado das bonecas perfiladas e minha

saia amassada é carranca sinuosa. mamãe, tira esse bicho daqui que

eu tenho medo. e a mãe cuidadosa é reverso de meu medo descuidado

virando para o lado, agarrando as cobertas como quem esconde

um segredo maior.



minh’alma seria chama, se todas não fossem

minh’alma seria sopro, se todas não fossem

minh’alma seria fóssil se todas não fossem.



mas mina minha alma o segredo de uma menina de mãe cuidadosa,

laço de fita em dia de festa, corando sazoneira como as cores de coralina,

alinhavada em bonecas de pano e uma saia passada, outrora plissada,

agora saia mulher, não menina. mas minha alma gregoriana canta sinuosa

a missa, e se esparrama na melodia salina subindo às naves soprando

as desditas, pensando o vento que assusta os corvos sobre o infinito da terra.



Nenhum comentário:

Postar um comentário

Se o tempo chovesse

  (Suzanna Schlemm) Se o tempo chovesse,             possivelmente O tempo choveria longo,             choveria sempre. Se a chuva fosse o t...